Posted: 26 May 2013 01:42 PM PDT
Rodolplo Motta Lima
Se
Joaquim Barbosa quer pronunciar-se como um cidadão comum deve, antes
de mais nada, transformar-se em um cidadão comum, despir-se da toga de
super-herói que a mídia lhe vem conferindo , renunciar ao cargo de
ministro do STF e, aí sim, deitar falação sobre o que lhe venha à
cabeça, enfrentando , é claro, eventuais reações daqueles que considerem
que “quem tem telhado de vidro não joga pedras no telhado do vizinho”.
Na
condição de advogado bissexto, bancário aposentado e professor ainda
atuante, julgo-me no direito cidadão de opinar sobre os que me
representam nos três poderes constituídos da República. No exercício
democrático, não só posso, como devo, manifestar-me criticamente sobre o
que considere deslizes das três áreas – Executivo, Legislativo e
Judiciário - , principalmente nos momentos em que vislumbro agressões à
cidadania. Como eu, qualquer brasileiro possui esse direito e deve
mesmo refletir sobre se o tem ou não exercido de forma efetiva.
Joaquim
Barbosa é um brasileiro e, portanto, também detém tal prerrogativa.
Essa parece ser uma verdade indiscutível. Mas é também verdade que a
sustentação republicana passa, sabemos todos, pela independência entre
os três poderes. E eles têm funções claramente previstas na nossa
Constituição, de tal forma que um não pode nem deve interferir na
atuação de outro, a não ser quando chamado a isso, em função de suas
atribuições. Não é por outra razão que se vem criticando, no nosso
cenário político, esse indesejável tipo de interatividade entre o
poder executivo e o legislativo , em um jogo de interesses que inclui a
malfadada palavra “governabilidade”, fundada em forças políticas
heterogêneas, onde a unidade ideológica passa longe, até porque a
ideologia de alguns é não ter qualquer princípio ideológico.
Joaquim
Barbosa declarou, em uma palestra para estudantes – a que foi
convidado não pelos seus belos olhos, mas pelo prestígio granjeado na
condição de Presidente do STF – que o Brasil tem partidos “de
mentirinha” e que o legislativo é “inteiramente dominado” pelo
Executivo”. Aqui, antes de prosseguir, lembro que, tempos atrás, o
então metalúrgico Lula mencionou a existência de 300 picaretas no
Congresso. Logo, a frase do ministro sobre a “mentira legislativa” está
longe de revestir-se de originalidade ou de modernidade. Outra
observação é a de que há quem pense que não é o Executivo que domina o
Legislativo, mas o contrário, o que obriga a presidenta Dilma a
conviver, para poder governar, com o fisiologismo e as diversas
“bancadas” representativas do pensamento retrógrado do país... Não fosse
esse “domínio” dos partidos, que agora se pretende ver
quantitativamente aumentado - casuisticamente (como sempre) -.
talvez os brasileiros estivessem hoje vivenciando muito mais êxitos na
luta contra as desigualdades do que os tantos já obtidos nos últimos
anos.
De
qualquer forma, meu intuito aqui não é discutir as teses do presidente
do STF, mas de verificar, com espanto – e algum temor – que os
cidadãos brasileiros da elite, na sede permanente de opor-se ao atual
governo , não percebem a brecha que se pode abrir na democracia quando
o titular de um dos três poderes, do alto do seu repentino prestígio,
resolve desancar um segundo poder (aliás, por tabela, também um
terceiro).
Fala-se
muito de uma aspiração que o ministro acalentaria de vir a ser
candidato à Presidência da República. Não creio que seja assunto para
agora. Mas o que minha consciência impõe é questionar, coerente com
tudo o que penso da cidadania, a postura do presidente do STF. Não
porque eu acredite na “verdade” de nossos partidos políticos, nem
porque possua uma inocente posição otimista em relação aos nossos
infelizes legisladores. O que penso é que é inadmissível o titular de um
poder (que deve ter isenção para julgar assuntos que envolvem
outros poderes) vir, de público. fazer declarações que estimulem a
instabilidade institucional e, de quebra, o pensamento golpista e
democraticamente incivilizado.
Se
age assim, Joaquim Barbosa não pode insurgir-se quando é acusado de
estar fazendo um perigoso jogo político, com presumíveis objetivos
eleitorais. Apresentando-se, diante dos holofotes da mídia, quase como o
único defensor da dignidade e honradez, ele dá margem a que se coloque
em dúvida as intenções e a validade de suas ações, a começar pelo
denodo e obstinação quase sagrada em condenar os réus do mensalão. Aqui
e ali, aliás, já começam a surgir, nas redes sociais – sempre nelas,
porque a mídia tradicional envergonha os seus desígnios – fortes
indícios de falhas jurídicas ocorridas no julgamento da ação 470. Aqui
e ali, já se pergunta porque ele abriu mão da relatoria no mensalão
“tucano” (origem do que foi julgado). Aqui e ali, está vindo à baila a
constatação de que não teria havido, no caso do mensalão, o tão
propalado desvio do dinheiro público. E aqui e ali, já se nota uma
retomada do furor midiático no sentido de “pautar” os ministros do STF
no julgamento dos recursos que vêm aí. É que já se percebe, claramente,
o fundamento legal de muitos deles.
Creio
que, neste momento, mesmo tendo formulado um juízo crítico sobre o
legislativo que corresponde ao pensamento de muitos brasileiros, o
presidente do STF deve posicionar-se como magistrado maior, sobrepondo
os interesses do país aos seus interesses pessoais.
Rodolpho Motta Lima. Advogado
formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de
Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade
em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos
anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário
aposentado do Banco do Brasil.
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